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A DANÇA POR UM FIO


A DANÇA POR UM FIO

Um estúdio com arquibancada, refletores, caixa de som e cortinas. Em uma escola com criações, frustações, regras e descobertas. Em uma cidade com rainha, business, parques e nuvens (muitas nuvens). Em um mundo que vem se mostrando cada vez maior e menos distante, assustador e atraente, imperfeito e completo.
            As 18h30 de uma terça-feira demos então início a nossa apresentação no Trinity Laban Conservatoire of Music and Dance. Não saberíamos dizer quem eram os espectadores daquela situação. Para nós estar ali envoltas por aquela arquitetura, sob aqueles sorrisos era um espetáculo. Confessamos que nosso show no entanto não foi dos mais glamorosos, porem nos demos o luxo de compreender isso bem pois um pouco antes da apresentação o luxo que nos demos foi passar quatro horas no cabelereiro! Sim, as três maricotas: Tita, Ma e Flora foram fazer os news hairs na escola de um conhecido cabelereiro londrino. Nós éramos cobaias de uma turma de animadas japonesas que iam passo a passo, tradução por tradução, centímetro por centímetro (verdade) cortando nossos cabelinhos... pois é... e pensando bem nem tão luxo assim... mas de graça até cabelo na testa!
            No entanto adoramos as duas experiência e como normalmente acontece, a melhor parte do trabalho se realiza no final, no caso o novo visual, no caso a conversa ao fim do espetáculo com o grupo de jovens que nos assistiu. Embora fosse “Do Papo ao Passo” em inglês e para pessoas que de outro continente desconheciam todo aquele universo os comentários não eram distantes do que costumamos ouvir. A lembrança de que a brincadeira é parte intrínseca da dança parece repercutir em qualquer parte do mundo, a vontade de beleza não está só nos índios como diz nosso querido Darcy Ribeiro, a necessidade da poesia, da harmonia é condição humana.  Num tempo onde a atitude mental predomina à aparência da obra, onde o ritmo e melodia perdem espaço para concepção e conceito temos urgência de lembrar que nossas antigas raízes nos dão referência para uma nova arte. Distantes do Brasil admiramos mais ainda o nosso povo brincante, seu legado de possibilidades criativas, pluralidade estética e da beleza das cores desbotadas que daqui são dissipadas pelas luzes de neom. É sempre hora de deixar pra trás os velhos fios de cabelos que nos prendem a quem já não somos mais e fazer o mais belo penteado com os novos fios que brotam daquela mesma raiz. Seguiremos com nossa viagem de novos penteados mas com a mesma cabeça, que não nos deixa esquecer que enquanto brincarmos com a dança pelo menos carecas não ficaremos!

LONDRES - Laban


Em 1879 nasce Rudolf Laban. 
Dançarino, coreógrafo e teórico do movimento, Laban foi um dos fundadores da dança moderna europeia. E até hoje, em Greenwich, uma universidade de dança com o seu nome. Estudante de arquitetura que foi, o que lhe rendeu estudos profundos do movimento em relação ao espaço, nada mais lógico do que a Trinity Laban ser baseada num prédio pensado para o movimento. Luz, cores, espaços.
Tudo isso constrói uma imagem para o resto do mundo que quer queira quer não faz desse lugar e desse nome uma espécie de mito, daqueles que cada um cria na sua cabeça o que imagina ser.


Durante esse último mês convivemos intensamente com dançarinas estudantes da Laban, o que nos rendeu, além de apresentações, acesso ao interior do prédio, possibilidade de ver algumas aulas, trabalhos de conclusão de curso, sem contar as inúmeras conversas sobre a dança.  À elas somos imensamente gratas, Flora, Sivan, Masa e Cony! Nossa família londrina sem nenhuma inglesa.

De tudo isso notamos o quão difícil é construir uma instituição de ensino para a dança. Que aulas ter, que questões exigir, que limites burocráticos concordar, enfim… O primeiro susto que levamos foi saber que não se tem aula de "Laban", como se costuma achar facilmente no Brasil. Aqui se tem um ou dois semestres de "Choreological Studies" e o resto são as indicações de Laban aplicadas em técnicas como Balé, Graham, Cunningham, Contato improvisação e Release. Afinal Laban dizia que não tinha nenhum método e não desejava ser apresentado como tal.

Aos poucos fomos ouvindo os prós e contras e passamos do amor ao ódio e do ódio à admiração. Contando todos os contras, por muitos que sejam, a Laban continua sendo uma universidade de dança inspiradora no sentido da estrutura, do espaço, dos profissionais que ali estão e das oportunidades de desenvolvimento pessoal. Uma admiração também por sabermos que no Brasil ainda não temos algo parecido com isso e que essa inspiração pode nos levar não à uma reprodução do mesmo padrão, mas à criação de algo que seja tão representativo para nós, como hoje é a Laban para a dança contemporânea na Europa.