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FESTIM. Merci Paris!



De volta a Paris!
Nossa primeira casa, com pessoas tão queridas!

Encerramos nossa última noite dessa primeira longa jornada da SOMA pela Europa com Festim. Com a nossa festa para todas essas pessoas tão especiais.

O espectáculo foi recebido pela Maison Du Bresil, um pequeno teatro dentro da Cité  Universitaire. E das poucas pessoas que esperavam pelo início da apresentação poucos minutos antes de abrirem as portas, somaram-se, multiplicaram-se e de repente não se tinha mais lugar para sentar.

Do palco víamos gente de quase todos os cantos por onde passamos… França, Espanha, Dinamarca, Italia! E da platéia nos fizeram agradecer a la europeia…voltando três vezes.

Foi um imenso prazer e uma emoção indescritível fechar esse ciclo de aprendizagens e experiências retornando ao nosso primeiro espectáculo enquanto companhia. Deu muito o que pensar… o que construímos… o que almejamos…

Agradecemos muito a essas mulheres maravilhosas que nos foram tão, tão, tão…..! Fernanda Vilela, Anais de Latre, Flavia Tavares e Elena Budu!
E é claro a Maison du Bresil!

Uma noite de despedidas dadas com um "até já".

UM TEATRO DO CORPO, ODIN


Holstebro, uma pequena cidade da Dinamarca, o mais norte que chegaremos nessa viagem. Daquelas cidades onde não se tem nada para fazer. Ótimas para um intensivo de trabalho e estudos.
Ali encontramos o Odin Teatret. Um grupo que logo completará seus 50 anos de existência. Fundado e dirigido por Eugenio Barba.

Durante 10 dias que correram como nunca, tivemos palestras, demonstrações de trabalhos, atividades corporais, conversas com Eugenio e apresentações. Eram dias que duravam das oito da manhã às dez da noite, com alguns intervalos para almoço, jantar e limpeza. Sim, no Odin todos fazem um pouco de tudo. Se exige um cuidado com o espaço condizente com o acolhimento que ele nos dá, um acolhimento de casa. 

Dentro dessa casa encontramos pessoas de uma generosidade que em poucos lugares experimentamos. São 50 anos de Odin que os atores nos dão de coração aberto. São 50 anos de desenvolvimento de um conhecimento e de um caminho para a construção do corpo do ator que nos são passados de maneira teórica e prática sem restrições a perguntas. São 50 anos de pesquisa em livros, vídeos e documentos a nossa completa disposição.
É verdade que o tempo para a prática não é muito, e nem é perto do que gostaríamos, mas levando em consideração a quantidade de conhecimento que eles almejam nos passar, seriam necessários alguns anos de treinamento para compreender tudo fisicamente. Assim como seriam necessários muitos textos para dizer tudo o que experenciamos nesse teatro.


* * *


Dentre tantas tradições que o Odin Teatret costuma manter, uma que impressiona é a reapresentação de peças que foram encenadas há muitos anos. O repertório é mantido por anos e anos sem que a produção de novos trabalhos se encerrem. Assim como é o caso da peça mais recente "Vida Crônica" com a qual abriram esses dias de festival. Tal feito dá muito o que pensar… como manter a vivacidade de uma mesma peça quando encenada por mais de 30 anos? como se reinventar dentro de uma mesma estrutura? como passar com uma mesma peça por gerações e gerações? como envelhecer com o mesmo personagem de 20 anos atrás? como continuar inovando e se surpreendendo?

Todas perguntas que nem sempre nos foram respondidas, nem na teoria nem na prática. Mas claramente todas as respostas estão longe da forma, do texto, da coreográfia ou partitura corporal do ator e sim próximas da energia e da sinceridade com que se trabalha com o corpo e seus limites ao longo dos anos. Isso nos remete à uma passagem do Do Papo ao Passo na qual dizemos que 
as brincadeiras populares são mais do que uma referência de formas, passos, estética. Elas são também um momento de suspensão e reconfiguração de um cotidiano que nos é habitual…isso parece simples mas exige uma aproximação intensa com o que se tem fora e um reconhecimento grande do que se tem dentro, no corpo.

Respondendo ou não aos questionamentos gerados exatamente pela exposição que os atores do Odin se colocam ao nos apresentar as mesmas peças, fato é que eles desenvolveram um caminho valioso e ainda hoje referência para tantas pessoas que pensam a atuação como algo que está para além do texto, como algo que leva em consideração o corpo, a voz as sensações que isso causa no público. Uma atuação que considera o espectador antes do ator. 

E a vida do Odin aparece nesses momentos em que durante dez dias pessoas de tantas gerações, diferentes profissões e dos quatro cantos do mundo optam por vir a Holstebro, uma pequena cidade no norte da Dinamarca onde não se tem nada a fazer e se encontra um mundo. Odin. 


BARCELONA






Para os Catalães a capital de uma comunidade autônoma que deveria controlar sua própria economia.
Para os místicos parte da região do chakra coração do mundo, cidade
transmutadora de energia.
Para os turistas a cidade das curvas de Gaudí, das ousadias de Dalí, dos passeios
pelas Ramblas.
Para nós uma cidade onde sua força catalã nos oferecia condições para
desenvolvermos nosso próprio trabalho, que entre o mar e a montanha nos
conduzia pelos fluxos das transformações, que sob modernistas e monumentos nos instigava a criar a nossa própria paisagem.

Um momento de descobertas, a Cia cresceu não por levar seu nome ao público por meio de apresentações e aulas mas sim pela experiência com uma nova técnica, em quatro semanas de teatro físico nos introduzimos a pedagogia de Jaques Lecoq. Pessoas incríveis, estudantes, diretores, amigos e mestres. A estrutura de um método, tempo, precisão, jogo e palavra. A fala ofereceu novo movimento ao corpo, o corpo ganhou uma nova voz. Num país latino não era só pelas palavras que nos identificávamos, mas foi através delas que nos aproximamos  de uma nova cultura e  maneira de dialogar.
Incorporamos em nossa pesquisa a busca pela palavra que surge do movimento. E surge então novamente a comunicacão com nosso país. Que palavras seriam essas de nosso corpo híbrido que une passos do Valentão do Cavalo Marinho, ao do capoeirista mandingueiro e do astuto passista de frevo? 
Há em nós um sentimento mutuo de indignação e instigação ao nos dar conta de quantas  técnicas, métodos e pedagogias poderiam ser desenvolvidas a partir do que temos de tão particular e pouco explorado em nosso país. Por que se escuta tanto de Commedia dell' Arte e não se fala nada de Cavalo Marinho nas escolas de teatro tão aplaudidas do nosso Brasil? 

Cada contato com uma técnica bem elaborada da Europa nos relembra carências e anseios de nossa cultura, quem sabe o ímpeto de independência catalã nos inspire a desejar o que é nosso, quem sabe o chakra coração do mundo pulse tão forte que reverbere nosso anseio pelos trupés de Cavalo Marinho, quem sabe os tantos turistas que das Ramblas se vão ao nosso terrero de Maracatu nos faça apreciar o nosso solo.

Quem sabe quanto ainda é necessário que se grite um Brasil que por hora é delicadamente sussurrado a cada um que se aproxima com interesse desse universo...