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UM TEATRO DO CORPO, ODIN


Holstebro, uma pequena cidade da Dinamarca, o mais norte que chegaremos nessa viagem. Daquelas cidades onde não se tem nada para fazer. Ótimas para um intensivo de trabalho e estudos.
Ali encontramos o Odin Teatret. Um grupo que logo completará seus 50 anos de existência. Fundado e dirigido por Eugenio Barba.

Durante 10 dias que correram como nunca, tivemos palestras, demonstrações de trabalhos, atividades corporais, conversas com Eugenio e apresentações. Eram dias que duravam das oito da manhã às dez da noite, com alguns intervalos para almoço, jantar e limpeza. Sim, no Odin todos fazem um pouco de tudo. Se exige um cuidado com o espaço condizente com o acolhimento que ele nos dá, um acolhimento de casa. 

Dentro dessa casa encontramos pessoas de uma generosidade que em poucos lugares experimentamos. São 50 anos de Odin que os atores nos dão de coração aberto. São 50 anos de desenvolvimento de um conhecimento e de um caminho para a construção do corpo do ator que nos são passados de maneira teórica e prática sem restrições a perguntas. São 50 anos de pesquisa em livros, vídeos e documentos a nossa completa disposição.
É verdade que o tempo para a prática não é muito, e nem é perto do que gostaríamos, mas levando em consideração a quantidade de conhecimento que eles almejam nos passar, seriam necessários alguns anos de treinamento para compreender tudo fisicamente. Assim como seriam necessários muitos textos para dizer tudo o que experenciamos nesse teatro.


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Dentre tantas tradições que o Odin Teatret costuma manter, uma que impressiona é a reapresentação de peças que foram encenadas há muitos anos. O repertório é mantido por anos e anos sem que a produção de novos trabalhos se encerrem. Assim como é o caso da peça mais recente "Vida Crônica" com a qual abriram esses dias de festival. Tal feito dá muito o que pensar… como manter a vivacidade de uma mesma peça quando encenada por mais de 30 anos? como se reinventar dentro de uma mesma estrutura? como passar com uma mesma peça por gerações e gerações? como envelhecer com o mesmo personagem de 20 anos atrás? como continuar inovando e se surpreendendo?

Todas perguntas que nem sempre nos foram respondidas, nem na teoria nem na prática. Mas claramente todas as respostas estão longe da forma, do texto, da coreográfia ou partitura corporal do ator e sim próximas da energia e da sinceridade com que se trabalha com o corpo e seus limites ao longo dos anos. Isso nos remete à uma passagem do Do Papo ao Passo na qual dizemos que 
as brincadeiras populares são mais do que uma referência de formas, passos, estética. Elas são também um momento de suspensão e reconfiguração de um cotidiano que nos é habitual…isso parece simples mas exige uma aproximação intensa com o que se tem fora e um reconhecimento grande do que se tem dentro, no corpo.

Respondendo ou não aos questionamentos gerados exatamente pela exposição que os atores do Odin se colocam ao nos apresentar as mesmas peças, fato é que eles desenvolveram um caminho valioso e ainda hoje referência para tantas pessoas que pensam a atuação como algo que está para além do texto, como algo que leva em consideração o corpo, a voz as sensações que isso causa no público. Uma atuação que considera o espectador antes do ator. 

E a vida do Odin aparece nesses momentos em que durante dez dias pessoas de tantas gerações, diferentes profissões e dos quatro cantos do mundo optam por vir a Holstebro, uma pequena cidade no norte da Dinamarca onde não se tem nada a fazer e se encontra um mundo. Odin. 


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